O racismo no blues – capítulo 01, Robert Johnson – “por que não reconhecer?”
COLUNISTA: SANDRO ARAUJO
Se qualquer um pesquisar sobre Blues ou história da música contemporânea, invariavelmente irá se deparar com “a lenda de Robert Johnson”. Um dos maiores nomes, senão o maior, do estilo que é o avô de toda musicalidade pós 1886.
Robert Johnson. Um homem judiado pela vida e por suas próprias escolhas. Taciturno e de difícil trato com a maioria. Ainda a seu desfavor, se é que podemos considerar dessa forma, pesa a lenda de que ele teria vendido a alma ao Diabo em uma encruzilhada em troca do talento que o acompanharia até o fim breve de seus dias.
Décadas e mais décadas se passaram e essa lenda permaneceu como a única resposta para tamanho talento em um ser humano. Não que todo seu “poder musical” tenha sido sempre vivo, pelo contrário, foi uma dura e longa jornada pelas estradas de ferro norte americanas buscando conhecimentos, experiências e apresentações.
Seu talento singular foi lapidado com uma dedicação que beirava a obsessão, mas não somente. Some a isso o espírito de um homem que viajou por diversas cidades, convivendo com grandes artistas como Willie Brown, Charley Patton e Son House, e tendo como professores artistas da estirpe de Ernest “Whiskey Red” Brown, Hayes McCullan e Ike Zimmermann.
Mesmo com pouca idade já era um músico relativamente conhecido e apesar de ter nos deixado poucos registros, sua obra é considerada uma das mais impactantes para a música e músicos da época e posteriores. Sua morte precoce, por volta dos 27 anos, alimentou ainda mais a lenda que caminhava ao lado de seu nome.
Ele nunca fez questão de negar qualquer pacto, mas jamais assumiu publicamente ou para nenhum dos seus parceiros de estrada. Para um artista do Blues daquela época, ter uma lenda como essa a seu respeito não espantaria o público, pelo contrário, atraia ainda mais pessoas curiosas por sua música e, para ele principalmente, mulheres. Um de seus professores, Ike Zimmermann, foi quem o ensinou o costume de tocar a noite em cemitérios, pelo silêncio e paz para praticar sem interrupções.
“Vendeu a alma ao Diabo”… décadas e décadas uma mentira repetida mil vezes.
Mas vejam como o racismo reside disfarçado em pequenos e sutis detalhes.
Não foram poucas as pessoas que conviveram com Robert Johnson, tanto na esfera familiar quanto no mundo da música, logo, não seria difícil que algumas dezenas de pessoas comprovassem o nível de dedicação e empenho que ele deu para o sucesso do seu trabalho, assim como centenas de pessoas já tinham visto com seus próprios olhos o que ele era capaz de fazer com seu violão.
Então por que, para a mídia e veículos da época, foi mais fácil prosseguir ventilando uma mentira do que assumir uma verdade indiscutível? A resposta é simples: pensem nos Estados Unidos da América na década de 1920 e todo racismo presente, sem nenhum pudor. Por que eles se esforçariam para reconhecer e enaltecer o talento de Robert Johnson?
Não fosse o esforço de pesquisadores como Bruce Conforth e Gayle Dean Wardlow, dentre outros, que se desdobraram para retornar mais de cem anos na história e juntar todos os cacos da história de Robert Johnson, viveríamos para sempre acreditando que ele não seria dono de um talento incrível, mas sim que “comprou” toda maestria ao custo de sua alma.
Ao longo das décadas, diversos artistas negros sofreram inúmeros boicotes em suas carreiras. A cada novo capítulo dessa trilogia conta mais uma história.
Referências:
A música do diabo – A verdadeira história da lenda do Blues Robert Johnson ( Bruce Conforth e Gayle Dean Wardlow) – Editora Belas Letras
Rock and Roll – Uma história social (Paul Friedlander) – Editora Record